Os oceanos deixaram de ser coadjuvantes na agenda climática internacional. Pela primeira vez, ganharam espaço relevante na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP), que ocorre neste mês.
Para o professor Alexander Turra, do Instituto Oceanográfico da USP, essa evolução representa o amadurecimento da visão global sobre o papel do oceano como aliado essencial no combate à crise climática.
“Estamos vendo um entendimento mais profundo do papel do oceano, não apenas entre cientistas, mas entre negociadores e governos”, afirmou Turra, em entrevista à TMC360, direto do Pavilhão do Oceano da conferência.
Segundo o pesquisador, a estratégia de tratar o oceano de forma transversal na agenda climática — e não como um tema isolado — foi decisiva para superar resistências políticas.
“O Brasil está destacando o oceano como um aliado, o que garante sua inserção nas próximas COPs”, explicou.
Entre os temas debatidos na COP30 está a inclusão dos oceanos nas NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas), que cada país apresenta à ONU sobre emissões e captura de carbono. Cientistas defendem essa inclusão porque os mares absorvem e estocam CO₂.
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O oceano é responsável por absorver 30% do CO₂ liberado na atmosfera e, à medida que as emissões aumentam, essa absorção também cresce. Segundo a NOAA (National Oceanic and Atmospheric Administration), nos últimos 200 anos — desde o início da Revolução Industrial — o pH das águas superficiais diminuiu 0,1, o que representa um aumento de 30% na acidez dos oceanos.
O que é o “pacote azul”?
Apesar de a presidência brasileira ter priorizado os esforços no Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF), havia rumores nos bastidores sobre o lançamento de outro projeto. Turra, porém, afirma que, mesmo nos painéis especializados, não houve conversas estruturadas sobre esse chamado “pacote azul”.
O mecanismo ainda está em fase inicial, mas teria como foco a preservação da vida marinha e o avanço da transição energética a partir dos oceanos. O esboço sugere o investimento de US$ 116 bilhões até 2030, sendo:
- US$ 72 bilhões destinados à proteção e ao restauro de 30% dos mares;
- US$ 4 bilhões ao ano para garantir a sobrevivência dos sistemas alimentares aquáticos;
- US$ 10 bilhões para financiar o desenvolvimento de energia oceânica;
- Cerca de US$ 30 bilhões voltados ao turismo costeiro.
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“Será um fundo menor do que o TFFF, mas essencial para viabilizar a ciência e as ações necessárias”, avaliou Turra.
Mais de 30 iniciativas globais participaram da preparação do pacote, mas foi o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima que coordenou o trabalho.
A importância vital do oceano
“Sem o oceano, a Terra seria muito mais quente do que já é. O oceano precisa estar saudável para ajudar a combater o aquecimento global”, ressaltou o professor.
Além de regular o clima, os oceanos produzem parte do oxigênio da atmosfera e mantêm o planeta habitável.
A chamada economia azul também ganha peso crescente. Segundo Turra, considerando fontes diretas e indiretas — como pesca, navegação, turismo e atividades ligadas ao mar —, ela pode representar até 20% do PIB.
“Nós temos um turismo de sol e praia. Sem praia, não tem turismo. Hoje já vivemos um fenômeno de erosão costeira em 40% das nossas praias”, explica.
Somente o turismo costeiro no Estado de São Paulo gerou cerca de 80 mil empregos diretos e movimentou R$ 8 bilhões em 2019.
Uma estimativa da USP aponta que 280 municípios litorâneos estão diretamente envolvidos com a economia do mar. Além da cadeia alimentícia, cidades como Rio de Janeiro e Espírito Santo concentram a indústria naval.
Segundo estudo da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA-USP), a extração de petróleo ainda é a atividade de maior peso, respondendo por 60% do impacto direto da economia azul. Em projeções mais conservadoras, a USP estima que a economia azul represente 6% do PIB.
A ciência brasileira na COP
A USP e a FAPESP integram o Pavilhão do Oceano como parceiras e promoveram um side event sobre financiamento à ciência. Turra participa de cerca de 20 atividades, entre painéis e lançamentos.
Um dos destaques é o documento sobre o desenvolvimento sustentável da Foz do Amazonas, elaborado em parceria com o Museu Paraense Emílio Goeldi, que busca orientar políticas caso a exploração de petróleo avance na região.
Outra contribuição importante é o relatório “Vozes do Oceano”, que identificou microplásticos em mexilhões, ostras e sururus ao longo da costa brasileira — resultado de um projeto em parceria com a família Schurmann.
“Sem ciência, não há como proteger o mar nem o planeta”, resume Turra.
