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Igor Rocha
Igor Rocha
Economista-chefe da Fiesp com profundo conhecimento em macroeconomia, setor industrial e políticas públicas, Igor Rocha traz a visão do setor produtivo. Ele analisa o cenário econômico no Brasil e no exterior com foco nos indicadores, nas políticas monetárias e fiscais, e no impacto desses fatores para a indústria e o cidadão brasileiro.

Inflação: o termômetro que molda a popularidade dos governos no Brasil

Poucos indicadores econômicos são tão implacáveis para a avaliação de um governo quanto a inflação. Ela opera se refletindo no preço do pão, na conta do supermercado, no botijão de gás e modifica, de maneira quase imperceptível no dia a dia, a percepção que o cidadão tem do país e, sobretudo, de quem o governa. Não é por acaso que, ao longo de décadas, a trajetória da popularidade presidencial no Brasil costuma oscilar em sincronia com o humor dos preços.

A inflação não é apenas um fenômeno econômico, é, antes, uma experiência emocional. Quando os preços sobem com rapidez, não adianta explicar que parte da pressão veio de choques internacionais, que a política monetária tem defasagens naturais ou que a recuperação econômica exige paciência. A população cobra resultado imediato e o governo se vê obrigado a responder, muitas vezes com medidas apressadas, paliativas e frequentemente contraproducentes.

A história brasileira oferece exemplos eloquentes dessa relação. Na década de 1980, durante o período de hiperinflação, a popularidade dos governos se deteriorou com velocidade semelhante à escalada dos preços. Os sucessivos planos econômicos, como Cruzado, Bresser e Verão, buscavam estabilizar a economia e recuperar a confiança social perdida. Nada disso se consolidou pois o controle da inflação não funcionou.

Em 1994, o Plano Real consolidou uma rara convergência entre estabilidade econômica e capital político. O controle da inflação passou a ser visto como sinal de competência administrativa. O sucesso do plano impulsionou a aprovação do governo da época e redesenhou o cenário eleitoral. A lição foi clara: estabilidade de preços não é apenas política econômica, mas política no sentido mais amplo.

Em períodos em que a inflação voltou a ganhar força, especialmente em itens sensíveis como alimentos e energia, a percepção pública rapidamente se deteriorou. Mesmo governos com agendas robustas em outras áreas viram seu capital político se esvair diante do aumento do custo de vida. As explicações técnicas são recorrentemente escassas diante do aumento dos preços nas prateleiras. 

A inflação, mesmo moderada, atua como uma espécie de “imposto político”. Ela reduz a tolerância social a erros de política econômica, amplifica percepções negativas sobre gestão e corrói capital político com velocidade maior do que qualquer outra variável macroeconômica. É um mecanismo quase automático, difícil de neutralizar por comunicação ou por políticas compensatórias.

Por outro lado, períodos de inflação contida tendem a criar uma atmosfera política mais favorável. A estabilidade funciona como um lubrificante social, reduz tensões, dá previsibilidade às famílias e permite que outras agendas, como reformas, investimentos e políticas sociais, sejam discutidas com menos ruído. Governos colhem dividendos quando o cidadão percebe melhora concreta no cotidiano, e nenhuma melhora é tão evidente quanto ver o salário render mais.

No fim, a inflação funciona como um termômetro moral da gestão pública. Enquanto a inflação seguir sendo percebida como ameaça concreta ao bem-estar imediato, continuará a funcionar como o principal farol da popularidade dos governos. E, gostemos ou não, no Brasil a política ainda se decide menos nas redes sociais e mais na formação de preços da economia.