Desde o chamado tarifaço, tornou-se mais visível que a forte interdependência de um ou dois parceiros comerciais é negativa para diversos países, inclusive o Brasil. Qualquer decisão tomada por uma economia da qual se depende excessivamente tende a gerar impactos amplos e adversos. A partir desse cenário, vem sendo apontado o surgimento de um processo descrito como Nova Ordem Mundial, ainda em estágio inicial, mas já perceptível nas mudanças das relações comerciais globais.
Essa nova configuração começou a se delinear a partir do tarifaço envolvendo a China e da reorganização das grandes potências. Países como a Índia passam a surgir como possíveis novos polos, enquanto os Estados Unidos também sinalizam transformações em suas estratégias. O resultado desse movimento é a abertura de espaço para novas negociações comerciais. Nesse contexto, o Mercosul é colocado diante da necessidade de avançar e concluir acordos estratégicos, em especial com a União Europeia.
O Brasil já apresenta uma participação elevada da China em sua balança comercial. O ponto levantado não é a relação em si, mas o grau de dependência concentrado em um único parceiro. Economias são sustentadas por confiança, e a imprevisibilidade é apontada como um fator relevante no caso chinês. Desde o período da pandemia, os dados disponíveis são considerados pouco transparentes, em razão de um governo centralizador e da dificuldade de aferir números com precisão.
Diante disso, o Brasil é chamado a observar com cautela sua relação com a China, avaliar os impactos provocados por decisões dos Estados Unidos em setores específicos, sobretudo nos preços internos, e considerar a Europa como um vetor de expansão. Essa aproximação ganhou força a partir das negociações envolvendo crédito de carbono, área na qual os europeus figuram como os principais parceiros comerciais do Brasil. A ampliação desse modelo para outras commodities, nas quais o país é competitivo, aparece como possibilidade, desde que as contrapartidas sejam compreendidas.
A relação entre Mercosul e Europa carrega um histórico marcado pela colonização, o que gera receios em torno das negociações. A Europa é descrita como uma região que importa riquezas, enquanto países como o Brasil produzem essas riquezas. O continente europeu concentra sua força nos manufaturados e em determinados segmentos industriais, limitados também por espaço físico e custo de mão de obra.
O próximo ano é apontado como crucial, tanto no aspecto político quanto econômico, para que o Brasil avance na diversificação de investimentos e de parceiros comerciais. A experiência com o tarifaço reforça a necessidade de conduzir essas relações de forma mais cuidadosa, evitando impactos generalizados na economia. Em um país em desenvolvimento, decisões do Estado se refletem diretamente no cotidiano da população, influenciando preços de itens básicos como arroz, feijão e carne.
Nesse contexto, a tentativa de acordo entre Mercosul e União Europeia se insere em uma estratégia de longo prazo. As negociações se arrastam há anos e enfrentam resistências internas no bloco europeu, especialmente de países como França, Itália e Bélgica, pressionados por seus setores agrícolas. A agricultura é um ponto central desse impasse, pois envolve a capacidade de suprir a alimentação mundial.
Brasil e China são apontados como grandes polos da agricultura global. Ao mesmo tempo, a Europa mantém relevância para o Brasil em setores industriais, com destaque para a tecnologia automobilística. Empresas europeias instaladas no Brasil, muitas beneficiadas por incentivos fiscais, exercem papel relevante na geração de empregos e no giro econômico. A disputa em torno da agricultura ultrapassa a relação Mercosul-União Europeia e se insere em uma geopolítica ligada ao controle das commodities alimentares.
Outro fator considerado é o perfil demográfico europeu, marcado pelo envelhecimento da população. Esse dado levanta questionamentos sobre a sustentabilidade de longo prazo da Europa como parceiro comercial prioritário, diante da possibilidade de negociações com outros países. Soma-se a isso o poder de barganha envolvido nas negociações e as concessões exigidas de cada lado.
A partir do próximo ano, a introdução de novas taxas sobre a agricultura brasileira tende a encarecer produtos, o que pode levar a Europa a buscar fornecedores alternativos com regimes menos onerosos. Esse movimento é visto como um impacto negativo potencial. As margens do agronegócio brasileiro são descritas como reduzidas, o que limita a capacidade de absorver novos custos.
O ponto considerado estratégico para o Brasil seria atrair a industrialização para dentro do país. O exemplo do café ilustra esse modelo: o Brasil exporta o grão, enquanto a industrialização, o encapsulamento e a comercialização com maior valor agregado ocorrem no exterior, elevando o preço final. Esse padrão se repete em diversas commodities, concentrando as maiores margens fora do país.
A comparação com a China surge como referência. O crescimento chinês ocorreu a partir da atração da indústria e, sobretudo, da transferência de conhecimento tecnológico. Ao exigir que centros de pesquisa e desenvolvimento acompanhassem a produção, o país internalizou a inteligência industrial. O Brasil, por sua vez, permanece concentrado na exportação de matéria-prima, segmento de menor valor agregado na cadeia produtiva.
