Ao observar a cena política atual, torna-se inevitável retomar o discurso de posse do ministro Fachin, quando ele expôs a necessidade de um Supremo Tribunal Federal comprometido com a autocontenção e distante da contaminação política. A contaminação, no entanto, parece ter se tornado regra. A percepção de que o STF navega nas águas do governo Lula ganhou enorme dimensão, contrariando justamente o objetivo declarado por Fachin naquele momento inicial.
Nesse cenário, a função de ministro do STF deveria aproximar-se quase de uma vida monástica. A discrição seria regra: nada de entrevistas, nada de aparições públicas desnecessárias, nenhum tipo de participação em eventos, inclusive aqueles pagos por empresários. Esse isolamento deveria servir como proteção institucional. Mas a realidade brasileira se afasta dessa expectativa, e a cada nova indicação o debate reaparece.
A indicação de Messias reforçou o contraste entre o ideal e a prática. Ele foi apresentado como terrivelmente petista, terrivelmente lulista e descaradamente a favor de Lula e do PT. Essa caracterização se junta ao histórico recente das escolhas do presidente. Primeiro veio Zanin, “o advogado”; depois Dino, descrito como extremamente ideológico e alguém que, se pudesse, instalaria um governo stalinista no Brasil; agora chega Messias, visto como alguém que possivelmente também atuará muito próximo dos interesses do PT e do próprio Lula. A soma dessas indicações distancia ainda mais a imagem do tribunal da proposta de autocontenção mencionada por Fachin.
A crítica não se limita ao atual presidente. A memória recente inclui a escolha de Bolsonaro por Mendonça, o “terrivelmente evangélico”. A sucessão de indicações dessa natureza transforma a atuação dos líderes do Executivo em uma piléria e alimenta a sensação de uma leviandade geral que atinge o país.
O processo de sabatina e aprovação no Senado tampouco se descola desse ambiente. A postura do presidente da Casa, Alcolumbre, ilustra isso. Ele ensaia movimentos de rejeição, embora seja de conhecimento amplo que o Senado nunca recusa indicações. A encenação não se dirige a uma prática efetiva de freios e contrapesos, nem ao esforço de impedir que o STF receba alguém dedicado exclusivamente aos interesses do presidente e de seu partido. A disputa se concentra em outra direção: a busca por mais dinheiro. O que se reivindica são mais recursos, mais emendas, e essa moeda de troca passa a orientar a negociação em torno da aprovação de Messias.
Enquanto isso, o afastamento entre lideranças políticas e a função representativa das instituições torna-se evidente. O povo permanece abandonado, alheio às barganhas que se impõem sobre decisões de caráter estrutural. A projeção é simples: se o montante almejado pelo Senado for liberado, a cadeira será entregue ao indicado.
E o horizonte pode se ampliar. Em caso de vitória eleitoral de Lula em 2026, a possibilidade de indicação de mais três ministros ao STF adiciona um peso significativo a esse momento. A conjuntura atual não se apresenta como um teste republicano sobre os nomes enviados ao Senado. O que se presencia é uma chantagem destinada a arrancar mais dinheiro do Executivo, liberando em seguida o caminho para que o governo faça o que desejar com o tribunal.
A leitura final desse processo aponta para a sensação de que o país continua descendo a ladeira, conduzido por negociações e alianças que se distanciam do fortalecimento institucional e da independência esperada das mais altas instâncias do Estado.
