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Luiz Felipe Pondé
Luiz Felipe Pondé
Filósofo de destaque, professor universitário e autor de diversos livros, Pondé é conhecido por suas análises ácidas e reflexões profundas sobre a cultura, a sociedade contemporânea e a existência humana. A coluna Sem Dó oferece uma visão crítica e sem concessões sobre os temas do cotidiano, provocando o ouvinte a pensar para além do senso comum.

Nada de linguagem neutra: Governo determina comunicação oficial em linguagem tradicional

Imaginar que seria possível, num país de analfabetos, ensinar a todos a usar uma linguagem neutra na escola porque cem pessoas fazem barulho é como imaginar que num país com tanta fome, os veganos pudessem exigir que todo mundo se tornasse vegano obrigatoriamente

O presidente Lula determinou que a linguagem do governo federal, a comunicação institucional, não será neutra. Nada de “sejam bem-vindes” ou “todes”. Será usada a linguagem simples, que nada mais é do que a linguagem normal e histórica.

Alguém pode dizer que isso é apenas uma estratégia eleitoral. E tudo bem: a democracia é um regime em que, se você não ganhar a eleição, não manda. Uma definição famosa de democracia é justamente um regime em que uma sociedade estabelece uma competição legítima por votos, e quem vence a eleição assume o poder. Portanto, é uma questão de vida ou morte: você precisa ganhar a eleição. Por isso existe tanta mentira na política — e continuará existindo.

Afinal, o Estado só cresce nos últimos séculos e não apenas no Brasil. Ele se torna cada vez maior, se mete na vida de todo mundo e determina um monte de coisas. Por isso, a polarização não vai acabar: para governar, é preciso eliminar o adversário. Senão, você não chega lá e não manda.

Existem argumentos contrários ao uso ou à invenção da linguagem neutra em nível nacional, federal ou oficial. Tudo bem: você pode usar a linguagem no seu grupo, principalmente em universos dominados por produtores de conteúdo, arte, cultura e redações de jornal — gente que faz muito barulho e faz parecer que todo mundo pensa assim. Mas a maioria do Brasil não está nem aí. E não apenas no Brasil: em muitos lugares, essa discussão não repercute.

Por isso, a adoção de linguagem neutra não dá voto e pode prejudicar eleições. Num país com elevados índices de analfabetismo, onde muita gente não consegue nem ler legenda de filmes, o número de produções dubladas só cresce. E não existe coisa pior do que ser obrigado a assistir filmes com dublagem, não é mesmo? Isso indica que o país sofre com analfabetismo funcional. A educação, como se sabe, não é prioridade da liderança do país.

Portanto, imaginar que seria possível, num país de analfabetos, ensinar a todos a usar uma linguagem neutra na escola porque cem pessoas fazem barulho é como imaginar que num país com tanta fome, os veganos pudessem exigir que todo mundo se tornasse vegano obrigatoriamente. É um absurdo. Esses hábitos são de classe média ou classe média alta. Todo mundo tem o direito de comer o que quiser e usar a linguagem do jeito que quiser dentro de sua tribo. Mas exigir que isso fosse universal, nacional e oficial é inviável.

O Brasil tem o hábito de “viajar na maionese”, adotando manias de países ricos como se pudessem ser replicadas aqui. Não podem. O país é cheio de analfabetos e de pessoas que passam fome. Portanto, nada de “sejam bem-vindas” e “todes”. É melhor manter a sanidade mental.