Tem momentos na política brasileira em que a realidade parece menos um dado concreto e mais um devaneio coletivo. Nos últimos dias, voltou à tona o velho movimento de debandada e retorno em torno de Bolsonaro — um vai-e-vem eterno, quase cômico, quase trágico. E é nesse ponto que me ocorre um paralelo que, infelizmente, diz mais sobre nós do que gostaríamos de admitir.
No século XVI, o rei português Dom Sebastião desapareceu numa batalha no Marrocos, em 1578. O corpo nunca foi encontrado. A partir disso, Portugal viveu um longo transe — o Sebastianismo: a crença de que, porque o cadáver do jovem rei não aparecera, ele ainda poderia voltar, quase como uma promessa divina de redenção nacional. Enquanto esperavam o improvável, o país foi engolido pelo rei da Espanha. Nostalgias políticas têm um alto custo.
Às vezes, tenho a impressão de que o bolsonarismo de hoje funciona como uma versão tropical deste mito: a certeza de que, apesar de tudo, “ele voltará”. Mesmo com todas as evidências jurídicas, políticas e práticas apontando na direção contrária, permanece uma fé quase religiosa na ressurreição eleitoral de Bolsonaro. E, claro, sempre paira no ar aquela esperança tão brasileira de que, no dia em que acordarmos, alguma mágica jurídica terá acontecido durante a madrugada.
É difícil imaginar que, dada a disposição atual do STF e o histórico recente — não esqueçamos a tentativa de golpe —, Bolsonaro estará apto a concorrer em 2026. Mas seguimos presos a pesquisas eleitorais que testam um candidato inelegível como se ele estivesse apenas de férias. O dado repete sempre a mesma história: Lula venceria todos, exceto Bolsonaro, com quem empataria tecnicamente. E assim seguimos rodando em círculos.
A direita brasileira, que já é desarticulada por natureza, continua refém de um ícone que se mostrou um presidente ruim, um candidato ruim e um projeto ruim. E, ainda assim, persiste a fantasia de que “ele é o único que pode ganhar”. A pergunta é: ganhar o quê? Do quê? Com quem? A essa altura, insistir nisso é condenar qualquer alternativa ao imobilismo — enquanto governadores, filhos, ex-aliados e pretendentes ao trono fazem seus jogos de fidelidade e traição como se estivessem numa novela ruim.
O verdadeiro estrago é silencioso: ao apostar todas as fichas num líder que talvez nunca mais volte ao tabuleiro político, parte da direita impede que surja qualquer alternativa real ao PT. É como se o país estivesse condenado a esperar por um rei que desapareceu — e que, mesmo que volte, não resolverá nada.
O bolsonarismo se tornou um Sebastianismo de bermuda e camiseta: uma mistura de nostalgia, negação da realidade e esperança mágica de retorno. Como no mito português, ficamos parados no tempo — suspensos entre o que não volta e o que não chega.
E, nesse intervalo, o Brasil permanece preso ao pior lugar da história: o nada.
