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Marina Izidro
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Jornalista com experiência em coberturas internacionais, Marina Izidro acompanha de perto os desdobramentos políticos, sociais e econômicos do continente europeu. Sua coluna traz as notícias mais relevantes da Europa, com foco nas movimentações do Reino Unido e da União Europeia, impactando a economia e a cultura global.

Uso global de esperma com mutação genética reacende debate sobre regras internacionais

Mutação hereditária rara revela limites da triagem de doadores e falta de regras globais. Foto: NIH/Domínio Público

A descoberta de que quase 200 crianças foram concebidas com esperma de um doador portador de uma mutação genética grave reacendeu discussões sobre segurança, limites e legislação internacional na área de reprodução assistida. Segundo investigações divulgadas por uma rede de jornalismo investigativo da União Europeia de Rádio Difusão, esse material genético passou a ser distribuído a partir de 2005, quando um estudante anônimo na Dinamarca foi pago para doar. O esperma foi então comercializado pelo Banco Europeu de Esperma e utilizado ao longo de 17 anos em 67 clínicas de fertilização espalhadas por 14 países.

De acordo com essas apurações, crianças concebidas na Alemanha, Espanha, Grécia, Irlanda, Islândia e em outros países foram afetadas. Algumas delas já morreram, e especialistas afirmam que apenas uma minoria que herdou essa mutação conseguirá escapar de desenvolver câncer ao longo da vida. O banco informou que o doador era considerado saudável e havia sido aprovado pela triagem padrão feita com candidatos. No entanto, o DNA em algumas células dele sofreu uma mutação espontânea antes mesmo do nascimento, o que comprometeu um gene responsável por evitar que células se tornem cancerosas.

Como resultado, qualquer criança concebida com o esperma afetado passou a ter essa alteração genética em todas as células do corpo. A probabilidade de desenvolvimento de câncer chega a 90%, com maior incidência na infância e risco adicional de câncer de mama e outros tipos na idade adulta. O Banco Europeu de Esperma afirmou que o doador e seus familiares não apresentam sinais da doença e que esse tipo de mutação não é detectado preventivamente nos exames genéticos usados na triagem de rotina.

A situação veio à tona quando médicos passaram a relatar casos de crianças com câncer relacionado à doação de esperma à Sociedade Europeia de Genética Humana. A partir desses relatos, iniciou-se a investigação jornalística que revelou a extensão do uso do material genético e o impacto da mutação.

O caso ganhou repercussão porque evidencia brechas regulatórias. Não existe uma lei internacional que estabeleça limites globais para o número de vezes que o esperma de um doador pode ser utilizado. Cada país define suas próprias regras, e algumas diretrizes acabam sendo ultrapassadas na prática. Na Bélgica, por exemplo, um único doador deveria atender, no máximo, seis famílias, mas acabou sendo utilizado por 38 mulheres, o que resultou em 53 filhos. No Reino Unido, o limite é de 10 famílias por doador, embora metade do esperma usado no país seja importado.

Especialistas afirmam que a ausência de parâmetros internacionais dificulta o controle e amplia a possibilidade de casos semelhantes, ainda que raros. Eles também reconhecem que não é possível garantir total segurança, já que algumas mutações e doenças não são rastreáveis. Mesmo assim, ressaltam que o processo de triagem atual é rigoroso: apenas entre 1% e 2% dos candidatos a doador conseguem aprovação.

A Europa já viveu outros episódios que alimentaram o debate. Em um caso anterior, um homem foi proibido de doar após gerar 550 filhos por meio de diferentes clínicas, situação que levou a novos questionamentos sobre limites e fiscalização.

Para quem considera recorrer à fertilização in vitro com esperma doado, especialistas reforçam que episódios como esse são extremamente incomuns. Ao optar por uma clínica licenciada e confiável, é possível contar com exames mais rígidos para identificar doenças e anomalias genéticas do que os existentes em uma gravidez natural. O caso recente, porém, reacende a discussão sobre a necessidade de regulamentações mais amplas e coordenadas internacionalmente.