A COP30 em Belém marca uma virada em relação à frustrante COP29 em Baku, no Azerbaijão. Se antes as negociações patinavam em um ambiente distante da população, agora a conferência climática ganha as ruas, fortalece a diplomacia brasileira e coloca o Pará no centro do mapa político, ambiental e turístico do mundo. A avaliação é da internacionalista e cientista política Ana Matos e da professora e empreendedora Joana Vieira, entrevistadas em podcast da TMC direto da capital paraense.
Siga a TMC no WhatsApp e fique por dentro das últimas notícias do Brasil e no mundo
Do travamento em Baku à “COP da implementação” na Amazônia
Ana lembra que o país anfitrião não só recebe a conferência, mas preside a COP, define a agenda, dita o ritmo das negociações e calibra o nível de ambição. Em Baku, segundo ela, o saldo (29/11) foi de frustração, especialmente na pauta de financiamento climático: falou-se em centenas de bilhões de dólares, mas sem clareza de quem paga, para quem vai e como. Agora, em Belém, o Brasil assume a COP com fama de “craque da diplomacia climática” e já chega com um “golaço”: fechou a pauta de negociações já no primeiro dia, apresentando a COP30 como a COP da implementação, da adaptação e da urgência.
Ao comparar os anfitriões recentes – Egito, Dubai e Azerbaijão –, Ana destaca um padrão: regimes pouco abertos à participação popular, com pouca ou nenhuma marcha nas ruas. “Em Baku, eu só sabia que tinha COP por causa das placas”, relata. Em Belém, o cenário vira do avesso: a população sabe o que é a COP, se envolve, ocupa a Green Zone e lota a Marcha Global pelo Clima e a Cúpula dos Povos, que, segundo ela, entram para a história pela dimensão e pela diversidade de atores presentes.
Participação popular, xenofobia e o debate sobre hospedagens
Um dos temas mais comentados nas redes foi o preço das hospedagens em Belém. Para Ana, a discussão é necessária, mas precisa ir além da polêmica superficial. Ela aponta dois eixos: de um lado, a falta de regulação e articulação do poder público, que demorou para agir e só depois estipulou um teto para diárias; de outro, um componente claro de xenofobia contra o Norte e contra o Pará, explorado por parte da mídia nacional e internacional.
Enquanto manchetes focavam na polêmica dos preços, ficaram em segundo plano as obras estruturantes, a preparação da Cúpula dos Povos e a previsão de dezenas de milhares de pessoas circulando fora dos espaços oficiais. Em paralelo, cresceu uma rede de hospedagens solidárias, com igrejas, comunidades e coletivos abrindo espaço para militantes, comunicadores e ativistas, reforçando um traço marcante da região: solidariedade, fé e organização popular.
Como a COP30 chega na casa de quem está longe da Amazônia
Para quem acompanha a COP30 da região Sudeste, Sul ou Centro-Oeste, a pergunta central é: “O que muda na minha vida?”. Ana explica que a conferência ajuda a destravar negociações sobre transição energética, mobilidade urbana e justiça climática, que podem se traduzir em políticas concretas como subsídio a energia solar residencial, redução de impostos sobre carros elétricos e novos modelos de transporte público com ônibus elétricos e incentivo às bicicletas.
Ela reforça, porém, que a palavra-chave é transição justa. Não basta encerrar o uso de combustíveis fósseis sem considerar comunidades cuja renda depende dessa economia, seja no interior do Pará, seja em cidades de Minas Gerais. Por isso, a presença de vereadores, deputados, senadores e ministros em espaços paralelos à negociação oficial é vista como fundamental: são ali construídas redes de troca, em que soluções locais podem ser replicadas em outros territórios – do Rio de Janeiro a São Paulo, de Belém a pequenos municípios ribeirinhos.
Leia mais: Amazônia é trunfo do Brasil, mas Pará lidera desmatamento na região durante COP30
Belém na vitrine global: turismo, gastronomia e autoestima paraense
Na segunda parte do podcast, a professora e empresária Joana Vieira, dona de pousada e restaurante na Ilha do Combu, fala do ponto de vista de quem vive o impacto no dia a dia. Para ela, um dos maiores legados da COP30 é simples e poderoso: “Belém finalmente está sendo vista como ela é”. A conferência escancara ao mundo uma cidade plural, heterogênea, esotérica, calorenta e orgulhosa de si, que mistura floresta, prédios, gastronomia potente e cultura própria.
Joana conta que já percebia, nos últimos anos, uma espécie de “Belém na moda”, turbinada por nomes como Gaby Amarantos, Joelma, Zaynara e o boom do bregafunk e dos batidões. A COP30 acelera esse movimento, amplia a malha aérea, abre voos diretos – inclusive internacionais – e fortalece destinos como Santarém, Alter do Chão, Marabá, Altamira e Marajó. No Combu, o reflexo aparece em mais visitantes, mais empregos para ribeirinhos e uma gastronomia que vira cartão de visitas, com pratos como tambaqui na brasa, filhote, pirarucu, camarão, açaí e cacau conquistando turistas do Brasil e do mundo.
Um futuro que passa pela Amazônia e volta para o resto do país
Tanto Ana quanto Joana convergem em um ponto: a COP30 em Belém não é só sobre decisões tomadas em salas de negociação. É também sobre corpos na rua, saberes tradicionais em evidência, soluções amazônicas ganhando escala global e uma cidade que aprende a olhar para si com mais carinho. “Todos os caminhos levam a Belém”, resume Ana, ao defender que o mundo precisa ouvir quem protege a floresta há séculos. Joana completa com o orgulho de quem não aceita ouvir crítica desinformada: ninguém fala mal de Belém impunemente – muito menos durante a COP30.
Leia mais: Alemanha dará 1 bi de euros para fundo lançado pelo Brasil após fala polêmica sobre Belém
