Mensagens obtidas pela Agência Brasil revelam que o Comando Vermelho (CV) passou a exigir o cadastro e pagamento mensal de trabalhadores do garimpo ilegal em Alta Floresta (MT). O conteúdo é distribuído por WhatsApp e determina valores conforme o tipo de equipamento usado na extração de minérios, como balsas e escariantes.
A cobrança, iniciada em outubro, estabelece prazo entre os dias 1º e 8 de cada mês. A facção ameaça punir quem não aderir às regras com roubo, destruição de máquinas e até assassinato. Segundo os criminosos, “todos os trabalhos ilegais dentro do estado de Mato Grosso são prioridade e voltados à organização”.
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O avanço do crime organizado foi confirmado por estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgado nesta terça-feira (19) durante a COP30, em Belém (PA). O relatório aponta que facções atuam em 344 dos 772 municípios da Amazônia Legal, o que representa 45% da região crescimento de 32% em relação a 2024.
Narcotráfico e crimes ambientais se cruzam
De acordo com a diretora-executiva do FBSP, Samira Bueno, organizações criminosas veem na Amazônia oportunidades para lucrar com crimes ambientais e lavar dinheiro. “Quando o narcotráfico entra, o problema ganha outra dimensão”, afirmou. Ela defende que políticas de transição climática devem considerar a segurança e a cidadania nos territórios.
Atualmente, 17 facções operam na região, entre elas o PCC e o CV — este último com presença em 286 municípios, sendo dominante em 202 e em disputa em 84. O grupo controla rotas fluviais no eixo do rio Solimões, articuladas com cartéis da Colômbia e do Peru, e opera também no garimpo ilegal.
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O PCC atua diretamente em 90 cidades, com foco na internacionalização do tráfico. A facção utiliza rotas aéreas clandestinas, pistas em garimpos e rotas marítimas via Suriname, conectando o Amapá e o Pará a mercados internacionais.
Homicídios e avanço sobre territórios indígenas
A taxa de mortes violentas na Amazônia Legal em 2024 foi de 27,3 por 100 mil habitantes — 31% acima da média nacional. O Amapá lidera com 45,1 por 100 mil. O Maranhão foi o único estado da região a registrar aumento nos homicídios em 2024 (11,5%).
Municípios pequenos também preocupam. Vila Bela da Santíssima Trindade (MT) viu os assassinatos saltarem de 12 (2022) para 42 (2024). O crescimento é associado ao domínio do CV, que também explora o garimpo na Terra Indígena Sararé. “O Comando passou a controlar toda a cadeia da extração de ouro”, relatou Samira.
Sorriso (MT), com mais de 100 mil habitantes, registrou 72 homicídios em 2024. Conhecida como capital do agronegócio, também está entre as cidades com mais casos de estupro de vulnerável no país. O estado se tornou rota prioritária do narcotráfico, com disputas entre o CV e a Tropa do Castelar, sua dissidência.
Violência contra mulheres e desafios de proteção
Em 2024, 586 mulheres foram assassinadas na região, uma taxa de 4,1 por 100 mil — 21,8% superior à média nacional. Mato Grosso lidera (5,3), e o Maranhão teve aumento de 19,8% nas mortes femininas.
Samira defende que políticas públicas precisam se adaptar às realidades locais: “Como lidar com violência doméstica em aldeias indígenas ou municípios de fronteira sem equipamentos públicos?”, questiona. Ela cobra estratégias de acolhimento e empoderamento que dialoguem com os contextos da Amazônia.
