Jards Macalé morreu nesta segunda (17/11), aos 82 anos, no Rio de Janeiro. O artista estava internado em um hospital particular na Barra da Tijuca, onde tratava um enfisema pulmonar, e sofreu uma parada cardíaca após uma cirurgia. A família anunciou a morte nas redes sociais, revelando que o músico chegou a acordar cantando “Meu Nome é Gal”, em tom bem-humorado, horas antes de partir.
A vida que virou obra — e a obra que virou história
Nascido na Tijuca (03/03), no morro da Formiga, Macalé cresceu cercado por sons que iam do samba de rua às valsas tocadas por sua mãe ao piano. Ainda criança, absorveu tudo: o rádio, os clássicos da era de ouro, e até a convivência com vizinhos ilustres como Vicente Celestino e Gilda de Abreu.
Já adolescente, mudou-se para Ipanema e ganhou o apelido “Macalé”, inspirado no jogador do Botafogo — e na zoeira carioca que logo se transformaria em marca registrada do artista.
Do Grupo Opinião ao Tropicalismo: o furacão Macalé
Macalé iniciou a carreira profissional em 1965 como guitarrista do Grupo Opinião. Na sequência, virou diretor musical das primeiras apresentações de Maria Bethânia e emplacou composições gravadas por Nara Leão e Elisete Cardoso.
Parceiro de Capinam, ajudou a criar a Agência Tropicarte, ao lado de nomes como Gal Costa e Paulinho da Viola, num movimento que misturava ousadia, política, poesia e uma implicância militante com qualquer forma de caretice.
O cinema também era casa
Macalé marcou presença nas telas: atuou e compôs trilhas para filmes essenciais do cinema brasileiro, como Amuleto de Ogum, Tenda dos Milagres, Macunaíma, A Rainha Diaba e Antonio das Mortes.
Suas composições, carregadas de lirismo e inquietação, ajudaram a moldar o imaginário cultural do país — sempre com aquele perfume ousado que só ele sabia destilar.
Um repertório que não envelhece
Autor de clássicos como Vapor Barato, Movimento dos Barcos, Mal Secreto, Anjo Exterminado e Hotel Estrela, Macalé atravessou gerações. Foi gravado por Gal Costa, Bethânia, Clara Nunes, Camisa de Vênus e O Rappa, numa prova da versatilidade de um artista que nunca se encaixou — e nunca quis se encaixar.
Nos últimos anos, continuou acumulando reconhecimento: Besta Fera (2019) foi indicado ao Grammy Latino e ganhou destaque da APCA. O disco Coração Bifurcado entrou na lista dos 50 melhores de 2023, e Mascarada, parceria com Sérgio Krakowski, figurou entre os destaques de 2024.
Despedida de um inquieto profissional do risco
Macalé foi ator, compositor, arranjador, violonista, cantor, provocador e mestre em derrubar paredes entre gêneros. Morreu como viveu: cercado de música. E deixa como herança um Brasil que canta, desafina, protesta e se reinventa ao som de sua ousadia.
