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Rodrigo Oliveira transforma o Mocotó em referência mundial sem sair da Vila Medeiros

Filho de retirantes pernambucanos, Rodrigo Oliveira transforma o Mocotó em símbolo de identidade, inovação e impacto social na Vila Medeiros

Em entrevista ao videocast EM3ATOS, da TMC, o chef Rodrigo Oliveira relembra a origem do Mocotó, na Vila Medeiros, a relação intensa com o pai, Seu Zé Almeida, a criação dos famosos dadinhos de tapioca e a decisão de usar a cozinha como plataforma de transformação social. Filho de retirantes pernambucanos, ele conta como um simples caldo de mocotó mudou o destino da família, deu nome ao bairro e, décadas depois, se tornou sobrenome e identidade de um dos restaurantes mais influentes do Brasil.

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Da Casa do Norte ao restaurante que virou sobrenome

Rodrigo nasceu praticamente dentro do balcão: o primeiro negócio da família era uma Casa do Norte simples, com balcão de fórmica de segunda mão, prateleiras cheias de cachaça nordestina, seis mesas e um fogão doméstico tocando caldeirões de caldo de mocotó.

O prato não foi uma escolha glamourosa, mas econômica: era o único ingrediente que o pai conseguia comprar. A receita, porém, mudou tudo. Ganhou fama, fez o bar vender dezenas de caldeirões num único dia de frio paulistano e acabou dando nome ao lugar. Com o tempo, os clientes passaram a dizer que iam “no Mocotó”, “no bairro do Mocotó”, até que o restaurante assumiu de vez o batismo.

Por trás do negócio, havia a história de dois sertanejos retirantes, Zé e Lourdes, que vieram em busca de oportunidades que nunca tiveram. Enquanto o restaurante engatava, foi a mãe costureira que segurou financeiramente a casa; quando o Mocotó deslanchou, a família inteira passou a orbitar em torno do balcão da Vila Medeiros.

Generosidade como valor fundador

Um dos episódios que mais marcaram Rodrigo foi ver o pai ajudando um concorrente direto: um conterrâneo nordestino que abriu um bar a poucos minutos do Mocotó. Sempre que ia à zona cerealista com a Kombi azul, Seu Zé perguntava se o outro precisava de algo — e comprava, pagava e entregava mercadorias como carne seca e queijo, sem saber se receberia de volta.

Esse gesto, repetido ao longo dos anos, virou a grande lição de generosidade que hoje está cravada no primeiro valor do Mocotó: acolher bem, sem olhar a quem. É o que permite que, na mesma mesa, se encontrem dono de banco e motoboy, artista de TV e família trabalhadora, taxista e jogador de futebol — todos confortáveis no mesmo ambiente.

Leia mais: Hélio Luz revisita origem da polícia e questiona eficácia das políticas de segurança

Quando um cozinheiro vira chefe?

Para Rodrigo, “chefe” não é um título honorífico de grande cozinheiro, mas um cargo – e, muitas vezes, um peso. O chefe de cozinha é o ponto de convergência de tudo: proprietários, investidores, brigada da cozinha, salão, limpeza, gestão, RH, público.

Mais do que saber cozinhar, ele precisa entender de relacionamentos e das infinitas interações entre as pessoas que fazem o restaurante existir. E, idealmente, deve usar esse papel não apenas para servir comida, mas para restaurar estados de espírito: um sorriso, um gesto de hospitalidade ou a sensibilidade de perceber o que o cliente precisa sem que ele peça podem transformar um dia pesado em algo mais leve.

Gastronomia, saúde e o dilema da comida de verdade

Rodrigo enxerga a gastronomia também como um campo de responsabilidade pública. Em um mundo mais rico, com mais informação, mas adoecendo pela boca, ele se apoia em ideias como as de Michael Pollan para defender três princípios simples:

  • Voltar a comer comida, não produtos ultraprocessados.
  • Dar protagonismo aos vegetais – equilibrando o prato num mundo obcecado por proteínas animais.
  • Comer sem exageros – qualidade e equilíbrio em vez de excesso.

Na visão dele, chefs que hoje ocupam TV, capas de revista e grandes plataformas de mídia podem escolher entre usar sua visibilidade para empurrar ultraprocessados… ou para lembrar que a comida nasce na terra, e que não existe sociedade saudável sem solo saudável.

Conflitos, reinvenção e o pai que nunca disse “parabéns”

A relação com o pai foi marcada por amor, dureza e muito conflito. Toda vez que Rodrigo propunha uma mudança, ouvia: “faz 30 anos que isso é assim, é assim que vai ser”. A solução foi começar a reformar o restaurante às escondidas: reformas de salão e cozinha feitas de madrugada, sem fechar um dia de expediente.

Seu Zé acompanhou com muitas ressalvas essa transformação que levou o Mocotó a ganhar prêmios, reportagens e público vindo de todo o Brasil e do mundo. Em casa, porém, nunca houve um “parabéns” dito em voz alta. Rodrigo acredita que o pai sentia orgulho, falava disso para os outros, mas achava que segurá-lo na rédea curta era o melhor para o filho.

Esse contraste – tradição de um lado, inovação do outro – é, para ele, o segredo de como um restaurante de cozinha sertaneja na periferia de São Paulo, “improvável” para o padrão do mercado, conseguiu se manter por mais de meio século.

A viagem de 11 mil quilômetros em busca de legitimidade

Antes de se afirmar como chef, Rodrigo lavou louça, atendeu mesa, limpou banheiro, dirigiu a Kombi de compras e só depois assumiu a cozinha. Estudou engenharia ambiental, depois gestão ambiental e, por fim, gastronomia – curso que conheceu por acaso.

Quando os conflitos com o pai ficaram insustentáveis, ele quase foi embora. Pegou uma caminhonete velha, um caderno, um Guia 4 Rodas e fez uma viagem de quase dois meses pelo Nordeste: litoral, serra, sertão, mercados e casas de família.

Mais do que receitas, buscava legitimidade: entender se o que fazia em São Paulo honrava a cozinha sertaneja. Voltou mais seguro para transformar o Mocotó por dentro, mantendo respeito absoluto às raízes.

Dos programas de TV aos dadinhos de tapioca

O menino que lavava pratos virou figura conhecida na televisão. Participou do Iron Chef e foi jurado no MasterChef, onde diz ter vivido uma “aula de excelência”.

Sua invenção mais famosa é o dadinho de tapioca, criado a partir de uma receita ensinada pela chef Adriana Simms. Ao notar que a massa endurecia em bloco, teve o estalo de cortar em cubinhos e fritar, criando um clássico da gastronomia brasileira contemporânea.

Para celebrar os 20 anos do prato, convidou chefs como Albert Adrià, Fred Cafarena, Alessandra Montanha e Helena Rizzo para criarem versões especiais inspiradas em suas cozinhas — espanhola, árabe, francesa e sertaneja.

Ficar na Vila Medeiros é projeto, não acaso

Mesmo com convites para abrir o Mocotó em bairros como Pinheiros, Rodrigo decidiu ficar na Vila Medeiros, um distrito com baixo IDH, poucas áreas verdes e nenhuma praça estruturada.

Ele mora a dois quarteirões do restaurante e afirma que sair significaria abandonar a comunidade que viu seu pai chegar, crescer e ajudar vizinhos. Seu sonho é o contrário: trazer grandes restaurantes para a periferia.

IDH do Mocotó e o nascimento da “Quebrada Alimentada”

Ao apresentar o impacto do Mocotó no exterior, Rodrigo decidiu medir o “IDH do restaurante”. Descobriu:

  • Renda média dos funcionários equivalente à de bairros ricos como Pinheiros.
  • Escolaridade elevada graças a um programa de bolsas de estudo que permite que colaboradores estudem o que quiserem.

Durante a pandemia, o Mocotó começou a oferecer refeições gratuitas para a comunidade, chegando a centenas de marmitas por dia com comida fresca e sem ultraprocessados.

Dessa ação nasceu uma cozinha comunitária no Jardim Julieta, que hoje serve cerca de 500 refeições diárias, com equipe formada na própria comunidade. A partir dali surgiu também o projeto Quebrada Alimentada.

Comida como ferramenta de inclusão e cidadania

Para Rodrigo, a cozinha é uma ferramenta de inclusão social e empoderamento:

  • Gera renda qualificada perto de casa.
  • Oferece formação e perspectiva de futuro.
  • Apresenta alimentos frescos e nutritivos.
  • Mostra às pessoas que elas são merecedoras de comer bem.

Ele diz ganhar, em retorno, “um mundo melhor”: vizinhos mais saudáveis, comunidades mais seguras e uma rede que une até pessoas de ideologias políticas diferentes.

Crítica, afeto e propósito

Rodrigo valoriza a crítica honesta, lembra do bar pernambucano que dizia “não venha com crítica construtiva” e afirma que a franqueza é essencial.

Entre memórias do pai, bastidores da TV, dadinhos reinventados e ações sociais, ele reforça que um restaurante pode ser ao mesmo tempo negócio de família, atração internacional e agente de transformação.

Rodrigo Oliveira escolheu permanecer na quebrada onde nasceu, usar sua visibilidade para defender comida de verdade e transformar a cozinha em ponte entre o sertão, a Vila Medeiros e o mundo – sempre equilibrando tradição e inovação como sal em caldo de mocotó.

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